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“Decisões geram responsabilidades”, diz missionário entre os Sanumá Categorias:
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Desde 1991 vivendo no leste de Roraima, Mimica é nacionalmente conhecido pelo intenso e positivo relacionamento com a cultura indígena

 

Ademir Santos Silva, 53 anos, natural de Itacaré, Bahia, tem no seu currículo boas histórias. Mas além delas, tem pelo menos vinte malárias contraídas desde 1991 quando foi morar por um período no meio dos Sanumá, uma etnia indígena do leste de Roraima.

O povo Sanumá, cuja língua é um subdialeto dos Yanomami tornou-se a família de Mimica, apelido pelo qual Ademir é conhecido em todo o Brasil. Mimica conheceu a esposa – mãe de seus dois filhos – Lucelene, em uma de suas idas para cidade para tratar a malária (uma das), que segundo ele, era um dos poucos motivos que o tiravam da tribo naquela época.

Mimica participou de duas escolas de treinamento da Jocum (Jovens Com Uma Missão) em 1990, sendo uma delas voltada para estudos e vivência na área de Linguística, a Escola de Introdução aos Estudos Etnolinguísticos e Culturais da Jocum Porto Velho . Ele conta que ao final do tempo teórico, quando uma equipe se preparava para ir até a tribo indígena, ele ficou encarregado de fazer o que se chama de promoção social, ou seja, cuidar de tudo para que os linguistas fizessem o trabalho de campo. Afinal, não era segredo sua falta de habilidade com os métodos práticos da escola, na área de tradução.

Bastou a convivência entre os Sanumás para que nos primeiros três meses de relacionamento na comunidade, Mimica já conseguia se comunicar o suficiente. “Um dia falando em uma reunião entre eles, perguntei se eles entendiam o que eu estava falando, um deles se levantou e disse: ‘evidente que estamos entendendo, pois você está falando em nossa própria língua’. Isso me faz lembrar da passagem bíblica de Marcos16:17 que diz: ‘Falarão novas línguas’”, relembra.

Em menos de seis meses Mimica traduzia para as equipes de saúde da Funasa e pregava nos cultos. Isso aconteceu e mudou a história dele e daquela tribo, porque ele afirma que foi Deus quem deu a capacidade de falar a língua daquela nação (cada etnia indígena no Brasil é considerada uma nação). “Tudo isso aconteceu porque meu coração estava disposto a servir”, afirma.

A realidade do missionário Mimica é bastante diferente de tudo o que se considera como objetivo de vida na sociedade. Ele se acostumou tanto com a cultura dos indígenas que quando precisava sair da tribo, mal conseguia falar o português. Português esse que usa para compartilhar mais sobre as experiências que coleciona.

Decisões que mudam tudo

“É preciso ter consciência de decisões que tomamos em um determinado momento, porque elas trarão responsabilidades”, alerta Mimica, ao contar que em 1990 quando estava na tribo indígena com a equipe, e os demais decidiram ir embora, ele optou por ficar. “Quando você toma uma atitude, e se responsabiliza, alguma coisa tem que acontecer, lá na frente terá que continuar decidindo para dar continuidade”, diz.

Citando um versículo bíblico que diz que se um grão de trigo cair na terra e não morrer não vai dar fruto, ele compara como tem que ser a vida de quem quer andar na contramão do que todo mundo costuma pensar e fazer. “Se não morrer para os próprios desejos interiores, não vai frutificar. Quando decidi abrir mão do tipo de pensamento da minha cultura, e aprender a viver a cultura daquele povo, aflorou tudo o que Deus queria realizar na minha vida e na deles”, comenta.

Ao se dispor para servir pessoas e transformar comunidades, Mimica garante que sua própria mudou para sempre. “Quando pensamos só em nós mesmos, ao fazer algo pelo outro pensamos que estamos perdendo, que nosso retorno é se lamentar, mas servir pensando no outro faz com que eu receba muito mais do que imaginava”, conclui.

Parece cena de filme, mas não é

Entre muitas histórias que viveu, Mimica conta de uma em que alguns policiais estiveram na área indígena na qual ele morava. Ele lembra que o pequeno avião que voou duas horas para chegar àquela região de Roraima não foi notado por ninguém da comunidade. Depois do pouso, os indígenas chamaram Mimica para falar aos militares do Exército que havia quatro homens diferentes rondando a comunidade. Os policiais, que não falavam português acharam que Mimica estava tentando atrapalhar a missão que eles estavam realizando, e isso foi o motivo principal de sua prisão. Apesar do bom relacionamento com todos do quartel, a família de Mimica teve a casa cercada de homens armados, que entraram na casa, fizeram várias acusações e o levaram preso.

“Quando se pintam de vermelho os indígenas estão em paz, mas quando se pintam de preto estão prontos para a guerra com seus arcos e flechas, e foi assim que eles planejaram cercar o quartel onde fui preso. Mas antes que isso acontecesse, muitas pessoas estavam orando e o resgate que os Sanumás estavam planejando graças a Deus não foi necessário”, detalha.

Mimica diz que depois que tudo aconteceu, alertou os líderes indígenas sobre o risco dos policiais terem atirado neles. “A resposta dele para mim me mostrou que eles estavam muito mais dispostos a morrer por mim do que eu por eles, e eu entendi o quanto valia a pena ajudá-los a cuidar da saúde do povo, viver na cultura deles, ensiná-los coisas novas e bons princípios para suas vidas”, conclui. O processo contra Mimica foi arquivado, e após cinco anos recuperou seus R$ 300 pagos na fiança.

Reconhecimento

Duas das mais influentes missionárias da Jocum confirmam o respaldo de Mimica por sua vida de dedicação e trabalho em meio ao desconhecido.

A linguista Márcia Suzuki, que hoje vive com o marido e a filha deles, a indígena Suruwahá Hakani, nos Estados Unidos, foi uma das professoras da escola que Mimica fez em Porto Velho. “Super inteligente e engraçado, mas com poucos anos de escolaridade, sofreu um bocado para aprender linguística. No final do curso tivemos uma semana de projeto de aprendizagem de línguas e foi aí que ele se revelou. Em poucos dias estava falando a língua Nadeb melhor do que todos os colegas. Mímica tem um dom natural para comunicação, um coração enorme, e é radicalmente obediente ao Senhor”, afirma Márcia.

Outra missionária brasileira, Edna Gaspar, que vive com sua família há alguns anos, trabalhando com os nativos Maori, na Nova Zelândia, também demonstra reconhecimento por Mimica. “Amigo querido, saudades desse herói”, comentou nas redes sociais, em uma foto de Mimica.