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A Lágrima da Paixão de Cristo Categorias:
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As destemperanças da vida às vezes nos fazem perder o sentido poético que ela tem. Isso se dá pelo fato de passarmos desapercebidos pelos detalhes, que em alguns casos são expressão máxima da grandeza inigualável que é viver. Sua infindável beleza e imensurável riqueza perdem o sentido, muitas vezes, por não entendermos seu real significado. Assistindo ao filme Paixão de Cristo, dentre as inúmeras cenas de tamanha precisão realística, uma delas deveras me despertou a atenção. Algo pouco comentado, como que um detalhe no entrecorte de cena, com significância que vai para além da nossa vã filosofia grega. Foi àquele exato momento em que dos céus caiu uma única lagrima, representação da dor e do sofrimento do Pai ao ver seu filho padecendo pela humanidade, única alternativa capaz de abrir o caminho da eternidade para o homem.

Aquela cena me impactou de tal forma que fiquei com o quadro cênico renitente na minha memória. Pensei naquele momento, que na verdade não durou milésimos de um segundo, durante semanas seguidas, como se tivesse tido um de’javur mediante àquele comovente instante, fazendo um esforço sobre-humano para tentar lembrar onde eu havia visto ou lido acerca de algo similar. O esforço foi em vão, pelo menos durante àqueles dias, pois nada se associava com a cena. Deixei de lado o incomodo que aquilo me causava, uma vez que não passava de uma ficção, embora a memória da cena fosse para mim nítida e real, uma verdade incontestável. Depois de muitos dias passados, sem nem estar pensando mais no assunto, lembrei-me de uma história que falava de guerreiros orientais e seus ritos de passagem para o mundo invisível, que trazia em sua ritualística uma representação comovente que lembrava a dita cena do filme.

A história retratava os feitos dos antigos samurais, guerreiros japoneses do século XIV / XV, que ao imolarem uma de suas vítimas encomendadas por seus senhores e/ou mestres, derramavam uma única lágrima como sinônimo de compaixão por aquela pobre alma. A imagem que tinha na memória não passava de uma produção do meu imaginário, porém baseada em fatos reais desses destemidos e valentes guerreiros. Isso despertou minha atenção para a fonte inspiradora de Mel Gibson. Será que a cena foi produto do imaginário do autor ou ele também pesquisou acerca desse rito de passagem oriental?!?! Questiono isso pela precisão histórica da narrativa dos fatos subseqüentes, obviamente entrecortados com estórias diversificadas, produto daquilo que o autor vislumbrava passar pela mente do Messias. O que na verdade não desqualifica a produção cinematográfica, pelo contrário, a enriquece com uma delicada beleza de detalhes mediante a real brutalidade sofrida.

A lágrima da paixão de cristo, muito bem empregada no contexto de cena, era a mesma coisa que acontecia com uma das categorias de guerreiros orientais no passado. Segundo a história, corria-lhes pelo rosto uma única lágrima, representação de sua compaixão e ao mesmo tempo do sentimento de dever cumprido, tendo em vista que aquele sacrifício era um favor a sociedade. O mesmo pode ser interpretado naquela cena do filme, em que àquela lágrima solta e solitária cai do céu e toca a terra, espargindo-se pela pequena circunferência provocada por seu leve peso ao tocar o chão, representação da compaixão de Deus e ao mesmo tempo do cumprimento de sua promessa, possibilitando a restauração do homem e abrindo os portais da eternidade para a humanidade através do sacrifício vicário de seu próprio filho, pois não se achava ninguém à altura para superar tamanha dor e sofrimento, levando-se em conta que estava sobre ele os pecados de toda a raça humana.

Aqui está a demonstração do sentido da vida, expresso por uma lágrima solta à deriva do vento, cujo destino é o pátio da crucificação. O corpo desfigurado … a dor … a ausência …. a morte … o detalhe da lágrima. A vida!!! A vida consistindo na morte para se tornar vida num sentindo mais amplo e profundo deste conceito. É justamente o que pode nos desprender do pesadelo daquilo que achávamos ser o sentido de viver, quando na verdade vivíamos apenas nuances de uma vida entrecortada, como que um sonho ruim. Precisamos aprender o sentido sacrificial da vida e sua poética expressão transformadora, na sua riqueza de detalhes aparentemente sem sentido, pois o que uma lágrima é capaz de expressar pode ir para além de nossos marejados olhos, cheios de lágrimas sem significado.