Venezuelanos vivendo no Brasil Categorias:
Entre missionários em bases da Jocum em diferentes estados e refugiados acolhidos por uma ONG em Santa Catarina, como é a vida de quem deixou a Venezuela e encontrou no Brasil um lar e uma possibilidade de sonhar apesar dos problemas no país onde nasceram e amam
Alisson, Fran, a família Alex, Melly, Sofia e Tiago: jovens que acompanham de longe a crise em seu país de origem: a Venezuela. Com eles, o Brasil, local onde estão vivendo, também acompanha as notícias que relatam a situação de calamidade, conflitos e incerteza. A história política da Venezuela, não é de hoje, está marcada por tentativas de golpes e uma resistência que custou caro para a democracia e condição econômica do País.
Desde a morte de Hugo Chávez em 2013, após seus 14 anos no poder, Nicolás Maduro foi eleito, e nesta segunda vez, para um mandato que só termina em 2025. Apesar de uma redução significativa da pobreza nos anos de Chávez, a herança que ele deixou foi de uma economia centrada apenas em uma única fonte: o petróleo. Com a baixa no valor do produto, sem mais alternativas, a situação econômica inaugurou uma fase inédita para os venezuelanos.
Além disso a estrutura democrática do país, que antes sofria com a corrupção – e isso projetou a esperança do povo em Chávez e depois em Maduro – agora está falida. O congresso não reconhece o poder executivo, declarou ilegítima a reeleição de Maduro no passado, a oposição apoia um autoproclamado presidente, Juan Guaidó e Maduro garante que o congresso não tem autoridade e por isso, não presta de contas de nada aos parlamentares.
Com isso, uma nação inteira enfrenta a pobreza, o desemprego e a fome. alguns deixaram o país na condição de refugiados, outros não conseguem sair e nem mesmo receber ajuda humanitária de outros países. Por três meses as fronteiras do Brasil com a Venezuela estiveram fechadas por decreto de Maduro. Mas nesta sexta-feira (10/05) o vice-presidente anunciou a reabertura dessas regiões. Durante o fechamento, ajuda humanitária brasileira de outros países foi proibida.
Missionários Venezuelanos
Os nomes citados no início da matéria são de jovens que estão vivendo no Brasil, não como refugiados, mas como missionários com direcionamento de dispor seu tempo e trabalho aqui. Com isso, apenas ficam sabendo sobre o que está acontecendo pelos noticiários e conversas com familiares que estão lá.
Uma família que sonha com missões (Jocum Recife – Pernambuco)
Alex (24) e Melly (23) são casados e vieram no ano passado com os filhos pequenos Sofia e Tiago. Alex conta que conheceu uma equipe da Jocum em 2015, e acabou se envolvendo com a organização chegando até a realizar uma viagem com um grupo que saiu da Venezuela para passar um período em Boa Vista, em Roraima. “Foi um tempo que marcou minha vida, passei a sonhar em viver como aqueles missionários”, conta Alex que na época passava por dificuldades financeiras e não teve condições de fazer o curso que desejava na Jocum.
A situação financeira de Alex e Melly era delicada quando a pastora de uma igreja que eles conheceram em Boa Vista passou a se comunicar com eles. “Melly estava grávida e recebemos a oportunidade de vir para o Brasil”, relata ele. Esta brasileira se comprometeu em ajudar a família a se estabelecer, dando a eles, temporariamente, abrigo em uma casa da igreja.
Nesta fase Alex estava tão concentrado em cuidar de sua família que havia esquecido do sonho de ser missionário da Jocum. No entanto, na mesma época, missionários da Jocum Itajaí chegaram na casa em que eles estavam morando e Alex voltou a pensar em fazer missões. A família passou pelo período teórico da Escola de Treinamento e Discipulado da Jocum e está em campanha para levantar recursos para continuidade do curso no Brasil.
Jocum Brasil: Como você avalia a situação da Venezuela?
Alex: Eu amava morar na Venezuela. Quando viemos em 2018 já existia crise, mas agora está muito pior. Sabemos, pelas conversas com nossas famílias que lá está difícil. Estar lá nesse momento seria muito complicado, por causa dos nossos filhos: fraldas, leite são coisas caras.
Não gostamos de falar sobre política, porque já trabalhei, um tempo com o partido do governo e um tempo com partido de oposição: nenhum dos dois presta. Era meu sonho trabalhar na política, mas a solução é Deus. Ele vai usar homens, é claro. Deus está permitindo um processo necessário na Venezuela porque a nação colocou seus olhos em ídolos, como o dinheiro e precisa olhar para quem pode salvar: e é Deus.
Mas não devemos, de longe tirar conclusões absolutas da situação lá. Pois mesmo em nossas famílias, alguns são a favor e outros contra o governo e por isso, cada um conta sua versão. Apenas estando lá é possível entender completamente como a Venezuela está.
Um venezuelana apaixonada por desenvolvimento comunitário (Jocum Almirante Tamandaré – Paraná)
A jornalista Alisson González (30) vive em Almirante Tamandaré, no Paraná, mas a primeira vez que ela veio foi como turista, quando viajou para Manaus em 2012. Ao retornar para casa, Alisson trabalhou em um jornal que tratava questões de comunidades, denunciando as necessidades locais e depois, na empresa de seu pai.
Mas a jovem já estava com o coração no Brasil, e em 2015 passou pela ETED Comunicadores na Jocum Almirante Tamandaré. “Foi desafiador lidar com as finanças e com o impacto transcultural, idioma e costumes diferentes”, conta.
Alisson voltou para a Venezuela, e segundo ela, seu desejo era trabalhar na Jocum de seu país, mas entendeu que deveria retornar ao Brasil para mais um tempo de treinamento. Em 2017, de volta ao Brasil, estudou na Escola de Desenvolvimento Comunitário, na Jocum Alcance Amazônico.
Somando a experiência como jornalista em comunidades na Venezuela e a escola da Universidade das Nações, Alisson tem atuado com projetos
sociais, consciente de que seu tempo no Brasil é passageiro e que sonha em trabalhar com missões e desenvolvimento comunitário na Venezuela.
O que você pode contar sobre a história que conhece de seu país?
Quando Hugo Chávez foi eleito pela primeira vez eu era criança. Foi um mandato bom, as pequenas empresas começaram a surgir e a economia do país estava muito boa. Já no segundo mandato Chávez começou a exercer poder sobre tudo e todas as áreas perderam com isso. Mas a econômica e a social foram as mais prejudicadas.
Na minha adolescência a Venezuela era conhecida como um dos países mais ricos da América Latina, ninguém pensava em sair de lá a não ser para fazer turismo. Ao contrário, pessoas da Colômbia, Peru e Brasil e até árabes iam morar lá por causa das riquezas e do clima de felicidade e hospitalidade. Eu não tenho sentimento de refugiada porque saí do meu país como missionária, não por causa da crise.
O sistema político implantado causou divisão na igreja. Uns defendiam o socialismo, outros não. Mas atualmente a igreja está se unindo e se levantando para ser resposta na área de misericórdia e ser voz de quem não tem voz.
No ano passado eu levei uma equipe de missionários para a Venezuela. é verdade que cada dia as coisas parece piorar. Mas a crise é mais que política ou econômica, e apesar de o governo ter muito a ver com o que está acontecendo, há uma crise de valores. Um vizinho vende um quilo de farinha, que é o básico, por um preço absurdo para outro vizinho. As pessoas estão se matando entre si. Não se importam mais com o outro.
Não é apenas uma troca de governo que vai melhorar a situação, mas é a mudança de mentalidade da população.
Um médico com coração refugiado em Almirante Tamandaré (Jocum Monte das Águias)
Franlewis Gonzalez (27) é médico e deixou a Venezuela como um refugiado, para tentar nova vida na Colômbia. Lá, segundo ele, experimentou uma difícil realidade para estrangeiros, decorrente de uma antiga relação entre os dois países, que agora é muito negativa para venezuelanos.
Na Colômbia Fran não conseguiu atuar em sua área profissional, tornando-se um vendedor nas ruas do país. “Eu tenho muito respeito por todas as profissões, mas eu me esforcei para ser um médico”, explica e conta que o que ganhava era quase nada. O venezuelano acredita que geralmente há um olhar preconceituoso aos seus conterrâneos, que de acordo com ele são rotulados como preguiçosos ou de caráter mau.
Foi então que surgiu a oportunidade de vir ao Brasil. “Minha vida no Brasil foi uma mudança radical”, afirma Fran que sente-se acolhido e vê brasileiros dispostos a amar. No entanto, Fran tem um sentimento de refugiado em seu coração, o qual ele diz que não o deixa ser completamente feliz. Ele conta que quando come, pensa na família, quando se alegra, lembra deles e não sabe o quanto disso eles estão tendo. “Penso se eles estão felizes também, e eu acho que não”, diz.
Pastor acolhe imigrantes da Venezuela em Santa Catarina: estão empregados e com filhos na escola
Em 2017 o pastor Rudi Sano, estava em Guaramirim – Santa Catarina, num domingo como outro qualquer, assistindo a um noticiário que relatava a explosão na imigração de venezuelanos para o Brasil. Segundo ele, Boa Vista – Roraima tem vivido há anos o processo imigratório, mas teve que lidar no ano passado, com os reflexos da crise no país vizinho.
“Peguei minha mochila e fui para a fronteira”, relata o pastor que já foi missionário da Jocum e agora lidera os trabalhos da Igreja Batista Vida Nova. Ele chegou a cruzar a fronteira com a Venezuela três vezes no ano passado, e ao ficar na praça Simon Bolívar teve contato, mesmo arranhando o espanhol, com pessoas que estavam fora de suas casas, enfrentando a problemática política e econômica no país. “Com uma inflação altíssima, sem produção nacional nenhuma e totalmente dependente de importações, não é possível comprar remédios, nem comida”, relata. De acordo com Rudi, mesmo quem tem dinheiro não escapa da crise, porque não há produtos para comprar.
A iniciativa que faz a diferença
Em todas as vezes que esteve na Venezuela o pastor encontrou com as mesmas pessoas na praça, criou vínculos e estabeleceu auxílio onde nem a ONU poderia interferir. Ele explica que a ONU não trabalha com etnias, e os refugiados precisam passar por terras indígenas para sair, gerando um conflito que é histórico naquela nação. “Comecei a forçar os serviços do governo a irem para a praça, como saúde e segurança”, diz. Pastor informa que pelo menos 150 crianças nasceram no período em que ele esteve na Venezuela.
Rudi iniciou um trabalho de acolhimento a venezuelanos no Brasil. Alugou uma casa, começou com um casal e hoje tem 40 pessoas que vieram. A A ONG Missão Sem Fronteiras, da qual o pastor faz parte facilitou o estabelecimento destes refugiados, com documentação, vacinas, matrícula nas escolas e uma mobilização na cidade que gerou emprego a todos que foram recebidos. “Conhecemos muita gente na cidade, conversei com empresários que aderiram esta causa. Em maio, mais venezuelanos chegam e por isso estamos alugando a segunda casa”, informa e enfatiza que os recursos são próprios e de amigos e empresários. As casas alugadas são de passagem, sendo seis meses o prazo de estadia dos venezuelanos, que estabilizados devem seguir suas vidas.
Para o pastor a maior dificuldade é lidar com um mentalidade acostumada com o assistencialismo, onde o governo era o provedor de tudo. “Agora precisamos trabalhar com a emancipação econômica e a reparação psicológica do grupo”, declara e afirma que muitos refugiados tinham uma vida boa antes da crise, sendo eles profissionais como professores, juízes, engenheiros, donas de casa que de repente passaram a morar na rua e brigar por comida. “Mesmo que estava em abrigos enfrentava realidade de violência, estupro, vulnerabilidade e agora, neste trabalho de médio prazo eles precisam entender que estão recomeçando em um novo país”, destaca.
Para quem deseja saber mais deste trabalho e até mesmo se envolver, o pastor Rudi Sano pode ser contactado pelo whatsapp: +55 47 8498-0784.