Para muitas pessoas, a capoeira significa uma mistura de luta com religião que foi usada pelos negros no século XVII com o intuito de se defenderem de seus senhores e cultuarem seus deuses. No entanto, segundo os mestres de capoeira, ela perdeu este significado e passou a ser somente um esporte, totalmente desligado de religião. Tentando provar que isto é verdade, a agência missionária Jocum (Jovens Com Uma Missão), com o apoio de algumas igrejas e vários capoeiristas cristãos, realizou nos últimos dias 11, 12 e 13 a Primeira Conferência Missionária de Capoeiristas Cristãos, na sede da Jocum em Santa Cruz da Serra, Rio de Janeiro.

A abertura aconteceu às 20 horas do dia 11. Os conferencistas ficaram surpresos, pois o tradicional culto de louvor e adoração foi substituído por uma roda de capoeira, ao som do berimbau e do atabaque. Mas, é claro que, ao invés das músicas cantadas na capoeira, os louvores ganharam novas versões e se encaixaram com o som dos instrumentos. “Eu fiquei surpresa com o momento de louvor e confesso que cheguei a pensar se realmente eu queria continuar lá”, declara Tatiana Gama, 24 anos, da Igreja Batista da Abolição (RJ). Além do surpreendente culto , um grupo de capoeira de Bento Ribeiro (RJ), chamado Semear, que tem o objetivo de evangelizar através do esporte, apresentou uma linda peça teatral, chamada Senhor do Engenho. A apresentação foi feita ao som do berimbau e do atabaque. Esse dia foi marcado pelas surpresas expressas explicitamente nos rostos dos conferencistas.

No segundo dia, ao amanhecer, todos saíram dos alojamentos e foram tomar seu café da manhã. Afinal, todo mundo merece um “cafezinho”. Não é mesmo? Voltando ao que interessa…, depois do café, todos foram para o lugar onde o culto matinal iria acontecer, esperavam uma nova surpresa… e tiveram… o culto “esportista” deu lugar ao tradicional culto de louvor e adoração. Após a reunião, tiveram início as palestras. A primeira foi dada pelo casal Silvana e Raudson Reis, líderes do ministério Ceifa da base da Jocum, em Contagem (MG), eles falaram sobre a importância de resgatar a arte para glória de Deus.

Depois, foi a vez do “Tio Pedro”, que falou sobre estratégias de evangelismo e enfatizou que a capoeira é uma das melhores formas de evangelização, pois atrai o público e quebra o tabu de que ela é do diabo. “Nada é do diabo. Nós precisamos levar a palavra de Deus a todas às pessoas, seja através da dança, do teatro ou da capoeira. Evangelismo é deixar a pessoa um passo mais próxima de Deus”, afirmou Tio Pedro. Segundo o missionário Roberto Nascimento Araújo, mais conhecido como Baiano, um dos organizadores do encontro, o objetivo deles era mostrar que a capoeira pode ser praticada para glória de Deus e que toda cultura é de Deus.

No último dia, a programação foi bastante diversificada. Pela manhã, aconteceu o culto de louvor e adoração, logo após, o Mestre Chocolate falou um pouco sobre seu testemunho e alertou os capoeiristas para que coloquem Jesus em primeiro lugar nas suas vidas. “A grandeza de um homem está na causa que ele defende e no preço que ele paga por ela”, disse o Mestre Chocolate, líder do projeto Nova Visão, em Santos (SP). Depois foi a vez do Mestre Nescau, que, também, deu seu testemunho e explicou como é feito o seu trabalho de evangelismo no grupo dos Atletas de Cristo, localizado no Rio de Janeiro. “Eu era muito violento, mas Jesus entrou no meu coração e transformou o meu viver”, revelou Mestre Nescau.

Muitos dos capoeiristas presentes no local queriam saber como transformar a capoeira em um ministério, como mostrar para as pessoas que é possível evangelizar através das gingas e do som tocante da capoeira. As respostas foram dadas quando uma “mesa redonda” foi organizada. Os mestres disseram que para transformar a capoeira ou qualquer tipo de esporte em um ministério basta colocar Jesus em primeiro lugar, renunciar a competitividade, buscar a sabedoria e pregar a Palavra de Deus a todos.

Além de ser uma agência missionária, a Jocum trabalha com métodos de implantação de estratégias evangelísticas nas igrejas, e a capoeira é uma delas. Os jovens da Missão vão às igrejas e ensinam o que aprenderam, depois basta a igreja colocar em prática. “Que bom saber que podemos contar com a Jocum para implantar estes métodos. Eu gostei muito do evento. Foi super completo, não foi como os que vejo por aí, que quando você lê o panfleto pensa uma coisa e quando chega no lugar é outra. Esse não, pois aconteceu tudo e um pouco mais. Foi uma bênção”, declarou Eliana da Costa Nogueira , pastora da Igreja Exército de salvação, no Grajaú (RJ).

Depois do almoço, chegou a hora da aula prática. De quê? De capoeira! A galera se reuniu e foi para o meio do salão gingar e louvar a Deus através desse esporte, que, para muitos, ainda é uma religião. O missionário Baiano disse que ficou muito feliz, pois os organizadores conseguiram alcançar seu principal objetivo: “o primeiro passo”. “Agora, é pensar na próxima conferência e orar para que mais pessoas se mobilizem. Todavia, o tabu que rodeia a capoeira ainda tem que cair por terra, pois muitos ainda são preconceituosos”, declarou o obreiro. A conferência apresentou muitas inovações e uma delas, a que mais conquistou a admiração dos participantes, foi o tema do encontro: “Louvai ao Senhor com Gingas”. A intenção do tema era fazer um trocadilho com o Salmo 143:9 – “Louvai ao Seu nome com danças…”.

Depois de três dias de cultos, palestras, rodas e aulas de capoeira, muitos não queriam ir embora e, se pudessem, voltariam no tempo e começariam tudo de novo, mas, infelizmente, isto não é possível e o que resta é aguardar a próxima oportunidade. “No último dia, comecei a chorar, pois coloquei meus pés no chão e percebi que havia chegado a hora de partir. Vou guardar essa experiência por toda minha vida e, com certeza, vou no próximo, e levarei muita gente comigo – evangélica e não-evangélica. O evento foi muito mais do que eu esperava… foi inesquecível. Eu não vejo a hora de participar outra vez”, afirma Tatiana Gama, que pensou em ir embora no primeiro dia.

Com relação àqueles que mesmo assim continuam dizendo que a capoeira é um instrumento do diabo, os conferencistas alegam que, se tudo foi criado por Deus, se Ele é o criador Supremo, o diabo não é dono de nada. O palestrante Raudson Reis fez uma comparação entre a capoeira e a serpente de metal que Deus mandou Moisés construir no deserto (Números 21:9). Ele disse que a criação da estátua foi ordenada por Deus, porém, o povo começou a idolatrá-la e fez dela um deus (II Reis 18:4). Raudson Reis finalizou dizendo: “assim como satanás roubou a serpente, ele quer roubar todas as culturas. Não vamos deixar.”

“Crente tem que ter o ministério da cara-de-pau.” (Tio Pedro)

Publicado originalmente em: www.elnet.com.br
Update Imagem: Conferência Nacional de Capoeiristas Cristãos – 2015
Por Mariana Quintal