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Sobre a Kamila e o pai dela Categorias:
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Quando Kamila chegou aqui eu não a entendi muito bem. Eu andava ocupadíssima gerenciando uma conferência para 300 pessoas morantes, mais umas tantas quantas que iam e vinham. Tinha café, almoço e jantar para todos quase sem dinheiro, e mais preletores dos mais diversos tipos, desde a Baby do Brasil, um furacão de energia, até o Loren Cunningham outro furacão de visão e poder de Deus.

A Kamila sentava-se bem na frente era a primeira a orar quando se pedia uma oração voluntária, sempre disposta a pegar o microfone com ímpeto verborrágico. Tinha-se a impressão de que ela vinha de um lugar onde não a deixavam falar e que ali como encontrou espaço livrava-se da mudez compulsória ansiosamente. Nada disto. Kamila sempre falou onde quis e o que quis.

Numa análise superficial muitas vezes não se entendia o que ela queria dizer. As falas de Kamila foram enigmáticas para mim durante alguns dias. Ela fala com uma profusão de metáforas e gírias. Até que aprendi a interpreta-la então me surpreendi com a profundidade de seus insights e de seu amor por Deus. Kamila foi viciada em drogas por dez anos. Começou o vício aos quatorze, hoje tem vinte e cinco e já está liberta a um ano. Foi ao fundo do poço do vício da cocaína e Deus a libertou em um dia. Um dia. Ela diz que neste dia chorou por várias horas seguidas e enquanto chorava uma cadeia de reações interna restauravam dentro dela a dor acumulada em tantos anos perdidos, as seqüelas da droga na sua mente, a sensação que a droga causava. Quando se levantou era outra Kamila, inteira, completamente curada.

Mas o que mais me impressiona nela é seu relacionamento com seu pai. Quando comecei a conviver com ela mais de perto, depois que a conferência terminou ela passou a freqüentar nossa casa, nas horas vagas, usar o computador assistir TV e brincar com as crianças, percebi que ela liga para o pai sem parar. Liga quando dá um tropicão no dedo e dói, liga quando precisa um xampu especial para o cabelo, difícil de ser encontrado aqui, liga quando alguém lhe diz algo que não gosta. Liga quando está triste e quando está alegre.

E eu lhe dizia, –“ Kamila, você não deve ligar pra contar coisas chatas, resolva você mesmo seus problemas emocionais depois conte pra ele a solução.” Dizia isto certa de que esta era a coisa “madura” que alguém de vinte e cinco anos deveria fazer, lidar sozinho com as mazelas da vida, e não depender emocionalmente de ninguém, principalmente pai e mãe.

Eu dizia isto não por causa de algum entendimento bíblico, afinal Kamila é solteira ainda não é mandatório que ela deixe emocionalmente pai e mãe, como a Bíblia sugere que uma pessoa que se casa faça. Mas dizia me guiando pelo senso comum, que nos leva a crer que adultos sadios são emocionalmente independentes. Descobri no entanto que o senso comum nem sempre nos guia ao caminho certo. Porque na medida em que acompanhava o relacionamento de Kamila com seu pai aprendia mais a respeito de amor, dependência como sendo algo essencial para a segurança, até de adultos.

Quando alguém dizia algo que feria Kamila se era sério ela ligava. “Pai, o fulano, (que o pai nunca tinha visto mais gordo) me disse isto sobre mim, mas sabe, eu sei que não sou assim, sei que ele está errado, mas me diz alguma coisa”. O pai dizia sempre algo que a consolava. Aí ela voltava para contar. –Ah meu pai disse isto e isto que me fez pensar sobre esta situação. Algumas vezes observando a reação de Kamila eu cumprimentei se pai, em pensamento, pensando, que bom que ele pode transmitir mesmo de longe tanta segurança para ela. Outras vezes quando ouvia o conselho dele admirava sua sabedoria.

Fui ficando curiosa. Como será este pai tão fantástico? Parece um pai de outro mundo, um pai que sabe amar, ouvir e entender a filha. Kamila me conta que quando usava drogas seu pai lhe deu um cartão de crédito para que ela não precisasse se prostituir. Foi um presente que lhe custou sacrifício mas seu cuidado com a filha estava acima de tudo. Kamila entre vender as jóias da mãe e quebrar a conta bancária do pai nunca precisou se vender. Hoje ela olha para o passado para tudo o que fez e passou e vê no carinho de seu pai a mão protetora de Deus.

Viajei para dar umas palestras na terra de Kamila e tive finalmente oportunidade de conhecer seu pai. Pensava com meus botões o quanto ele seria excepcional e quanto tinha para nos ensinar a todos sobre calma, paciência, amor, carinho. Encontrei-me com os outros irmãos de Kamila e sua mãe, separada do pai há mais de dez anos. Fomos almoçar fora depois de uma das palestras que dei numa manhã de sol. O almoço transcorreu normalmente, seu Odair me pareceu um homem bom, simples, com um rosto marcado pelo sofrimento.

Voltei para minha casa na selva ainda sem entender ainda tudo, mas depois aos poucos me foi vindo a compreensão. Seu Odair teve um paciência grande, viveu um intenso sofrimento, mas não é nenhum super-homem. Quem é excepcional é Kamila. Ela sabe amar. Aos seus olhos seu pai se transforma na melhor pessoa do mundo. Seu amor e sua entrega exigem dele o melhor. Não é a insegurança que a torna dependente é a segurança que ela tem no amor prático e humano do pai. E porque ela ama este amor a torna completa sem que seja, capaz e incapaz ao mesmo tempo, vulnerável e invulnerável.

É assim também que Deus nos ama. Em Jo 13:1 diz que ele amou os seus que estavam no mundo e amou-os até o fim. Eles os amou mesmo sendo medíocres, traidores, falíveis. E este amor dedicado os tornou um grupo de homens que mudou a história da humanidade. O amor de Jesus não só os aceitou e tolerou, mas os atribuiu um destino extraordinário. Jesus os amou com fé não em quem eram, mas em quem Ele mesmo era capaz de transformá-los…

Oh Deus, como amo pouco aos que estão ao meu redor. Me ajude a amá-los com a entrega e a fé que com a qual o Senhor nos ama.