Sai mais um livro de aventuras missionárias Categorias:
O sol estava à pino. Havia um espaço aberto no telhado de palha bem em cima da rede e o sol batia diretamente sobre mim. Minha rede estava imunda de tantas pessoas sentarem constantemente. E como se sentavam sem roupa, a sensação de estar deitada ali depois de tantos traseiros, não era das mais agradáveis.
Chegou na beira da rede uma mocinha de uns doze ou treze anos. Seu nome é Ibini. Ela estava cozinhando um mingau comunitário, perto de mim, numa panela de barro enorme. Era mingau de banana madura e até que o gosto não era ruim. Mas observar Ibini trabalhar começou a me irritar. Ela mexia o mingau com um feixe de varetas amarradas umas nas outras. Quando cansava repousava a vareta na terra ao redor da fogueira. Terra pisada por crianças, porcos do mato, cachorros, macacos. Tirava o feixe da panela metia na boca e devolvia à panela.
Eu olhava deitava no meio de um delírio febril, por causa do funrúnculo inchado nas minhas costas. A moça disse:
“Mari, Mari, bami kena?”
Com meu Suruwahá capenga eu já entendi o que ela queria dizer. Vá buscar água para mim Mari, dizia apontando o pote de barro.
Meio que protestando, me levantei.
-“Será que esta pirralha não sabe que eu estou doente? Não é minha escolha ficar aqui observando ela cozinhar esta coisa nojenta…”
Desci o barranco assim mesmo, peguei água da nascente do igarapé, tentando afastar a sujeira. Voltei penando, barranco acima, segurando o pote como um bebê na barriga. É claro que por mim passaram muitas mulheres, equilibrando lépidas seus potes na cabeça. Devo ter custado quinze dolorosos minutos para ir e voltar.
Entreguei a água à Ibini, que derramou tudo imediatamente na panela. Aí ela me olhou sem um pingo de gratidão pelo meu sacrifício.
–Huhu, bami kena?
Eu não acreditei. Vai embora pegar mais água? É isto que ela me diz? Esta menina não sabe quem sou. Não estou aqui para ser escrava dela!! Minha alma gritava em desespero.- Sou missionária!! M I S S I O N Á R I A !! Não sou uma idiota qualquer que não tem o que fazer!! Estou aqui para pregar a palavra!! E sei fazer mingau de banana muito melhor que ela! Mais limpo, com certeza!
Voltei pra rede angustiada ignorando o rosto mandão de Ibini. E lá fiquei deitada em protesto a brigar com a tribo variada de insetos de novo, até que aquela voz inconfundível do Mestre falou ao meu coração:
–Minha filha, o que é isto que escutei? Você não é escrava dela? O que te enviei aí para fazer? O que é que eu mesmo fiz por você?
E os versículos reveladores desta verdade maravilhosas chegaram claros como água à minha memória…
“Tende em vós aquele sentimento que houve também em Cristo Jesus, o qual, subsistindo em forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus coisa a que se devia aferrar, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz.”
Filipenses 2: 5-8
Chorei mais da dor da revelação e da convicção de pecado, do que da dor do furúnculo. Meu papel ali era o de serva. Missionário significa servo, escravo, desonrado, lixo que vai até a morte se necessário, para que Jesus se revele.