Para conhecer a realidade da comunidade – JOCUM Borel Categorias:
Se algum lugar vive missões de forma integral – no sentido mais óbvio da expressão – esse lugar é JOCUM Borel, no Rio de Janeiro. Uma base que funciona – como sub-base – há mais de 20 anos, lá na Tijuca, na rua São Miguel, e tem uma característica peculiar: intensas ações e envolvimento social. A maior parte das bases de JOCUM, ao contrário do que sempre imaginei, tem um forte viés de treinamento. Muitas escolas, tanto relacionadas às missões transculturais quanto ao treinamento de igrejas. Mas JOCUM Borel atende a uma demanda interna. O trabalho é intenso e diário.
A base está inserida em uma comunidade que já foi a mais perigosa do Rio de Janeiro e hoje é uma das mais pacíficas. Não dá para se desvencilhar do trabalho, a não ser se você for um voluntário e morar fora do morro. O testemunho de vida dos obreiros é observado a todo momento. Graças a Deus, bons testemunhos conquistaram o respeito da comunidade.
A missão chegou no morro do Borel “escandalizando” todo mundo: aqueles que tinham medo, aqueles que tinham o poder do tráfico, aqueles que pertenciam as igrejas da favela – todas tradicionalmente pentecostais, com usos e costumes muito bem definidos. “Quando Pedro (do Borel) chegou na comunidade, eu era de uma igreja muito tradicional. Olhava para ele e dizia: Hum, você? Crente? De bermuda? Ah, tá!’”, dizia Cristiane – uma moradora – com ironia. Ela começou a imitar para nós o comportamento do missionário, que chegava gritando “bom dia, Borel! Vamos acordar!”, e testemunhou como JOCUM trouxe uma nova cosmovisão do Evangelho à comunidade. “Depois que Pedro visitou minha casa, conversou com meu marido, tomou café com a gente, eu mudei minha visão. Antes, nem no ambulatório da JOCUM eu entrava.” Certa vez, alguém disse aos missionários, “se temos dúvida sobre algo ser de Deus, não devemos mexer. Se permanecer é porque é. E JOCUM permaneceu”.
Hoje, Cristiane, é coordenadora da creche Semente, um dos trabalhos mais antigos de Jovens Com Uma Missão na favela, implantado pelo próprio Pedro na região da “Grota”, lugar conhecido na época como a “faixa de Gaza”. Por ser um local de divisa de favelas – Borel e Casa Branca – era também um local de troca de tiros entre traficantes e policiais. “Já chegamos a nos esconder debaixo das mesas. Eu já tive que subir na laje e gritar “aqui é uma creche, aqui é uma creche”, para pararem o tiroteio”, contou Cristiane. A moradora começou na creche como auxiliar de limpeza. Passou a ser cozinheira e foi incentivada a terminar seus estudos de ensino fundamental. Por seu bom cuidado com as crianças, passou a auxiliar dentro de sala e continuou a ser incentivada a terminar seus estudos, do ensino médio e depois a faculdade. Com muito esforço, dividindo seu tempo entre a creche, os estudos, o marido e os três filhos, aos poucos ela avançou. Agora, na coordenação da creche, falta pouco tempo para Cristiane concluir seu curso superior. O interessante, é que sua atitude influenciou o marido, que também fez uma faculdade.
Além da creche, JOCUM Borel trabalha hoje com uma escola de música, ensino de informática, cursos de artesanato, treinamento de futebol e um ambulatório. O ambulatório, foi o primeiro trabalho desenvolvido pelos missionários na comunidade. Em uma época onde o morro vivia em guerra, os feridos eram muitos e o acesso a hospitais sempre foi difícil. Por isso, os obreiros desbravavam a comunidade com uma caixinha de sapatos, recheada com remédios e material para curativos. Algumas histórias são tão fortes que não podem ser divulgadas, mas estão guardadas na memória desses pioneiros e trazem a eles muitas lágrimas, tanto de alegrias, quanto de tristezas.
Sobre JOCUM Borel, há muito o que contar. Sobre a comunidade, ainda muito mais. Também há muito o que fazer. Como diz o “Funk do Borel”, gravado pelo jocumeiro Danni Distler, é preciso “viver no morro para conhecer a realidade da comunidade”, “gente que rala para sobreviver na legalidade ou na malandragem”, mas “tem muita coisa boa saindo dali”. Escrever sobre o Borel é um desafio, daria um livro. E quem sabe, logo dará. Mas por enquanto, fica o gostinho de um trabalho frutífero, que já desbravou muita coisa. Uma alegria e uma satisfação testemunhar a mudança que o Senhor tem feito na comunidade através de Jovens Com Uma Missão e através de moradores que têm recebido ao Senhor, como o “Magno”, morador que se tornou jocumeiro e hoje treina os meninos do futebol, ou como a Cris, da creche. Que Deus continue abençoando o Borel! É impossível andar por aquelas vielas e becos, ouvindo tantas histórias, sem se maravilhar com um Deus que ama gente. Todo tipo de gente. Inclusive, a gente.