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Me guia com sua mão… Categorias:
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Me guia com a sua mão disse a menininha – mas disse em sua própria língua que soou muito estranha aos ouvidos do homem. A mão dela era magrinha e o bracinho esquálido ficava lá estendido insistindo. O homem tentou ler em seus olhos o que ela queria. “Fome,”- leu. – É, acho que é fome. Na mochila trazia um pouco de farinha com peixe seco. Baixou a matula, praguejando um pouco ao tocar os calos abertos nas costas. Fez uma bola com a farinha e o peixe e colocou na mãozinha da menina. Ergueu de novo o pacote e foi se afastando. A menina ficou parada olhando. Não comeu a farinha. O homem virou as costas e seguiu, tinha que chegar ao acampamento antes da noite.

A menininha ouvia os passos dele se afastando na mata. Tinha cinco anos e estava perdida. Conhecia as matas de andar com os adultos da aldeia daqui para lá. Mas naquele dia alguma coisa aconteceu na caçada. Ela estava na água brincando e o grupo de mulheres que a tinha levado não voltou. Foram andando se afastando atrás de um porco que iam matar com uma estaca de pau. As horas passaram e elas não voltaram.

A menininha ficou quieta no riacho por um longo tempo e depois voltou para a trilha para esperar. Aí o homem passou, e se foi. Ela manteve o peixe seco e o punhado de farinha apertado na mãozinha. Não pensava em comer, nem em sentar. Os costumes de sua tribo, internalizados já, não a deixavam se desesperar nem chorar. Eles enfrentavam as crises com calma e altivez.

Os passos do homem iam soando já bem longe na trilha. Ela colheu uma folha de caranã e embrulhou a comida com cuidado. Segurou o embrulho e seguiu. Seus passinhos eram curtos mais firmes. A mata era mais escura dentro da trilha do que na beira do riacho. Era como entrar num grande túnel escuro e frio.

Dentro do mato as mães que haviam ido atrás do porco não iam voltar mais. Eram poucas aquelas mães sem proteção. A mata estava muito mais habitada do que deveria, e alguns dos novos moradores não gostavam dos índios nem de sua vulnerabilidade.

A menininha estava órfã. Não sabia, e suas perninhas continuaram firmes seguindo pelo túnel escuro da mata. Andou enquanto sua força permitiu. Já era escuro quando ela parou e fez uma caminha no chão com folhas de bananeira brava.

Alguns garimpeiros cruzaram a trilha à noite, bêbados. Na gíria do garimpo, meninas são chamadas de carne fresca. Ao passar, um deles vislumbrou o pacote encolhido entre as folhas e se sentiu como um rei em um harém servindo-se de uma virgem. Outros menos drogados acharam aquela “carne” um pouco tenra demais, mas, enfim, vida de garimpo é assim, depois se faz promessa e pede perdão.

No dia seguinte a menina viu que já não estava mais na mata. Olhou em volta e não via as árvores e folhas secas do chão. Estava numa planície grande, macia de andar e com sol reluzente do lado, bem próximo, quase ao alcance das mãos. Ouviu vozes atrás de si, e eram as mães. Todas elas estavam ali também e pareciam felizes.