Menu

A apologética do Da Vinci Categorias:
Artigos

Li O Código de Da Vinci, de Dan Brown, como outros tantos milhões de pessoas em todo o mundo leram. Como sou chata para literatura, apesar de ter lido rápido em se tratando de romances desse gênero ainda prefiro O Nome da Rosa, de Umberto Eco, de leitura demorada. Se me permitirem o comentário, O Nome tem arte literária e O Código tem todos os ingredientes para um filme de sábado à tarde estrelado por Richard Gere e Julia Roberts.

O que me admirou não foi o sucesso do romance, mas sim a enxurrada de livros cristãos que saíram fazendo a defesa do cristianismo contra as bobagens ditas no livro. Pergunto-me: será que precisa tanto? O Código é tão ameaçador assim? Ou será que queremos também surfar na onda dos milhões de leitores? Deixando de lado a maldade deste último comentário, vamos pensar que os apologistas escritores, doutores em letras e manuscritos antigos, tinham mesmo receio dos males que O Código pode causar na mente de leitores em todo o mundo e sentiram no dever de desmascará-lo.

Pensando nisso, então, como pregadora do evangelho, quero ponderar se preciso das armas de defesa que esses doutores me dão. Penso nas pessoas com quem tenho falado de Jesus ultimamente, em que tipo de respostas elas têm procurado. Penso nos jovens para quem tenho ministrado e me pergunto se eles dão a mínima para os símbolos antigos do sagrado feminino, pode ser que alguns curiosos, sim, tenham lido o livro. Pode ser que alguns poucos iniciados no ocultismo conheçam os símbolos nele mencionados. Mas, no mundo em que vivo, a maioria dos jovens tem conflitos existenciais, problemas familiares que lhes tiram o prazer da vida, sede de respostas para as perguntas básicas: quem sou?, de onde vim?, para onde vou?, será que tenho valor? Os adultos querem mais: querem saber que propostas temos para a família, o que é ser pai e mãe, querem respostas para a sociedade, para a economia, para o governo.

Lendo o livro, não pensei que o autor criou um tipo de complô para nos destruir, mas que ele expressa um anseio que muitos têm. O anseio de ver o cristianismo menos machão, menos belicoso e guerreiro, menos armado e defensivo, e mais feminino no sentido de ser mais amoroso, mais tolerante (não na complacência, mas na aceitação), mais terno e, ao mesmo tempo, mais prático ao apresentar todas estas características.

Estamos fazendo nossa apologética com vinte, trinta anos de atraso. Fazemos a defesa de nosso sistema intelectual, da religião conceitual, enquanto as pessoas estão mais atrás de coração. Nossas palavras são sempre de guerra. Atacamos (o diabo) e defendemos (a fé), mas na verdade estamos sempre em guerra com as pessoas ao nosso redor, crentes ou não-crentes, para nos provarmos certos, seja na nossa decisão geral pela fé cristã (quando nos relacionamos com os não-crentes), seja nos detalhes de como vamos segui-la (quando nos relacionamos com outros crentes).

“Tá bom” me diz meu amigo sem Cristo “o cristianismo é o melhor e mais coerente sistema religioso que existe. Mas não lhe pedi o seu pedigree; quero soluções para mim. Que proposta econômica você tem para minha vida, para minha empresa? Como saio de um rodamoinho de dívidas? Fazendo cheques de dízimo pré-datados? Quais são os princípios cristãos para se gerenciar uma empresa? Suas igrejas são modelos de boa administração? Sua contabilidade é transparente e honesta, ou deixa dúvidas quanto à integridade de seus gerentes? Qual é a proposta cristã para o governo? Afinal, o cristianismo é tão antigo e Deus é tão sabido, que ele deve ter se preocupado em orientar seu povo para fazer governo. O que é ser um político cristão? É fazer política de curral e se preocupar apenas com seu próprio umbigo? Quais as soluções bíblicas para o problema da desigualdade social, da fome no mundo? Como posso ter minhas feridas da alma curadas?

Será que como boa pilota de fogão estou sendo muito pragmática? Acho que é assim que o Brasil está olhando para nós hoje. Para onde vamos, nós evangélicos brasileiros? Enchemos-nos de garra para defender nossos conceitos teológicos e até mesmo dogmas religiosos, axiomas culturais evangélicos; olhamos para as doutrinas uns dos outros com um riso de desprezo: “Nossa doutrina é melhor que a deles; nossa teologia, mais pura; nosso Deus, mais Deus”. Mas não estamos (ainda) dando ao Brasil as respostas práticas que deveríamos dar.

Que país queremos formar? Que sistema de governo temos para propor? Que princípios efetivos vão nortear nossa economia? Quais são os princípios morais dos quais não podemos abrir mão? Que temos a dizer sobre a questão do aborto, do casamento homossexual, da aids, da legislação indigenista, do abuso infantil e da pedofilia, da imoralidade perversa disseminada em todo lugar?

Uma apologética assim nos seria mais apropriada. Se nos preocupássemos mais em conhecer os efeitos práticos do cristianismo em todas as área de nossa vida individual e social, talvez não nos sobrasse tanto tempo para elocubrações doutrinárias. E quem sabe essa necessidade que as pessoas estão sentindo do sagrado feminino, que não guerreia, não ataca, mas abraça, ama alimenta e cura, seria suprida por meio de nossas igrejas células e famílias, em vez de por meio de algum ritual erótico em algum castelo medieval.