Dona índia-Negra chamada Brasil Categorias:
Saiu na Época de algumas semanas atrás mais uma notícia sobre a codificação genética dos Brasileiros. Várias outras revistas já estão publicando faz tempo sobre o assunto do projeto Genoma e suas constatações sobre as supostas raças biológicas da humanidade, traduzindo para nossa língua o que ciência tem descoberto.
O que levou os cientistas a esta conclusão foi constatar que não há perfil genético possível para se definir uma raça. Somos todos frutos de uma grande mistura. Um fenótipo único, todos com a mesma cara, mesmo tipo físico não significou para o estudo dos genes um perfil genético único. Um branco de olhos azuis pode ter o mesmo perfil genético de um negro de pele azul. Um índio, filho de um grupo isolado no meio da selva que só se casa entre si há dezenas de anos, não tem tampouco um perfil único que o identificaria no meio de milhões de outros humanos de outras partes do planeta.
Para resumir, a questão geral é que não existe raça no sentido biológico do termo. Se você ainda acredita nesta balela nazista, por favor se atualize. Raça é uma concepção cultural, diferentemente classificada em cada povo do mundo. O que os americanos classificam como negro ou branco, não é o mesmo que os brasileiros classificariam, o que os brasileiros veêm como japonês não é o mesmo que o japonês vê como sendo parte de sua suposta raça. A única raça biológica da terra, foi aquela criada por Deus: a raça humana.
Bom já que agora falamos a mesma língua, vamos à Época e a codificação genética dos Brasileiros. Já havia sido dito outras vezes em outras reportagens as mesmas coisas. Somos todos índios e negros e brancos, mais índios e negros que brancos. Já tínhamos lido Gilberto Freire e Darci Ribeiro e já falamos em rodinhas de conversa sobre a nossa vó que foi pega a laço em algum pedaço de selva. Mas agora sabemos com certeza. Não nos resta mais dúvida. Mineiros então como eu, pode esquecer. Minas é o estado que o estudo genético revelou ser o mais equilibradamente dividido… Um terço de cada um, 1/3 índio, 1/3 escravo e 1/3 branco, assim é o mineiro, uai.
Não vale a pena falar da minha trajetória de anos, de como me sentia mal quando uma amiga se apresentava afirmando sua origem italiana, como se ser Da Silva fosse um demérito ou uma espécie de vergonha, ou quando dava aulas de brasilidade num seminário bíblico e um rapaz obviamente negro não conseguia aceitar sua negritude e se dizia judeu, ou de quando num episódio mais recente me surpreendi ao ver uma outra brasileira, bem educada, missionária internacional, demonstrar que era profundamente envergonhada de sua herança negra que tentava esconder também debaixo de uma possível herança judaica [judaísmo é uma cultura e uma religião e não uma origem genética, ô.] e mais tarde durante um culto ser curada pela ação do Espírito e se tornar finalmente uma pessoa completa….
O que importa é que lendo o artigo e relendo esta verdade pela décima vez afinal meu sangue ferveu bem índio dentro de minhas veias. Pela primeira vez me senti índia. Sou índia! Assumir isto me deu uma sensação única de alegria e de liberdade. Sou dona da selvas e da natureza, filha dos rios e das estrelas.
Sou negra também, e esta é uma realização mais dolorida para a cultura do preconceituoso estado de onde venho. Eu já havia abraçado esta identidade por teimosia e certeza de minha negritude brasileira, mas desta vez, por algum ato divino, a índia e a negra dentro de mim dançaram juntas seu samba, seu ritmo, suas cores. Sou negra e índia e estas duas identidades são 2/3 de mim.
Ser branco além de estar fora de moda, não me diz quem sou. Como pudemos celebrar nosso aniversário de 500 anos tendo como emblemas as caravelas? Somos ainda aos nossos olhos ridículos recém-chegados depois de 500 duros anos na terra… Como podemos tentar cavar supostos ancestrais judeus, ou espanhóis ou portugueses, sempre com aquele dever de não pertencer aqui, e principalmente na busca de ser alguma coisa outra que não o que realmente somos? Caçadores de nós mesmos, quem sabe o Milton Nascimento entendeu isto mais intensamente, garoto de pele negra criado por pais adotivos brancos. Somos ainda patéticas figuras olhando o Monte Pascoal de longe, portugueses negros, espanhóis índios, empoados de peruca, a fingir que são que não são, nem nunca foram. Tudo isto mesmo depois da miscigenação que tornou o Brasil a sopa de cores e rostos e paz, que todo o país gostaria de ser. Triste.
Quanto a mim, que me desculpem os que se sentem portugueses os que se orgulham de seu sobrenome italianado, de seu cabelo aloirado, os que mesmo com pele escura ainda procuram suas raízes judaicas mais do que assumem sua herança negra, quanto a mim, sou negra e sou índia.
Me encontrei. Não estou mais à caça de mim, nem procuro ser quem não sou. Em nada sou menor que os de além mar, em nada me envergonho de minha herança nativa e escrava. Minha mistura fina assumida e científicamente provada, me torna única e abençoada.
Bráulia Ribeiro