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Solteira no campo missionário… e agora? Categorias:
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Sentamos juntas para um café. Ela sorriu tímida, sempre pedindo desculpas se, por algum engano, se sentisse feliz. Fingi que não notei a felicidade estranha que sentar-se comigo promovia a ela. Não queria quebrar o momento, não desejava constrangê-la, queria apenas estar ali para ela.

Devagar ela se soltou e me encheu de perguntas: “Como é? Como é ser mulher, ser forte, ser valente no campo e na missão de Deus, mas tê-lo? Ele é bom, ele te apoia, libera, protege, assume as tretas, ele te deixa viver? Como é ser mulher, mãe, esposa, missionária, militante, líder e ainda ser amada por ele?”. Tremi.

Me percebi enrubescer, entendia que suas perguntas eram uma denúncia: ela está só, só na missão de Deus para ela…

Pedi que me contasse sobre sua vida e ela me deu detalhes da luta. É mulher, sozinha. “Cê sabe como é. A gente dorme armada, porque a comunidade sabe que não tem homens na missão. Já fui ameaçada, tremi, apertei os dentes e não chorei. Vi uma amiga de trabalho morrer aqui, ela está enterrada ali no quintal.”

Ela me contou mais sobre si mesma, sobre seu corpo: “Não dá tempo de se enfeitar, muita correria, tive problemas sérios de saúde, não dá pra divulgar, algumas pessoas não entendem… Precisava fazer dieta, mas o sustento não deu… Tô gordinha…”. Sorrir débil.

Ela suspirou, baixou os olhos e me disse, solenemente: “Fui noiva!” Pedi que me contasse, mas vi que era doloroso. Ela foi falando como se marimbondos dançassem em sua língua. O cara a deixou. Ele não queria o campo, o povo, as mazelas da gente daqui, a dureza financeira. Ele até a queria, mas não a queria toda. Choramos.

Perguntei como estava a procura de rapazes para trabalhar na missão, e escutei: “Ah, tá difícil! Eles vêm mais a curto prazo, depois que se casam vêm menos ainda. Tem um rapaz novo agora, ele é bom! Legal que a comunidade o respeita por ser homem, mas ele parece ainda não estar certo se irá ficar.”

Por fim, com um nó no peito, perguntei o que ela esperava. Ela riu de mim, como se a pergunta fosse tola, como se eu, sua igual, já devesse saber. Ela queria estar ali, mas queria amparo. Era forte, mas precisava de ajuda. Era cheia de fé, mas estava doente e precisava de apoio. Amava a Jesus e a missão, mas queria ser amada por um homem íntegro, que ame a Jesus e a missão também. Ela aguentava muito, mas estava cansada, tão cansada! Precisava que seus irmãos, aqueles que estão longe do campo, estivessem próximos a ela.

Ela suspirou e fez a última declaração: “Sabe, não sou mais a menina que chegou aqui. Eu era bobona, acreditava em tudo, sofri muito por isso. Eu cresci… Agora sou forte. Já aguentei muita briga feia. Aquela menina morreu, agora sou mulher feita!”

Olhei para aquela menina enlutada, mas cheia de amor e certo orgulho, como quem abraça um soldado ferido.

Viajar por muitos lugares, me fez conhecer muitos campos missionários diferentes. O perfil muda muito de acordo com o DNA de Deus para cada lugar: pode ser treinamento, transformação social, evangelismo, transculturais, mas tem uma coisa que não muda, está sempre lá: a menina que morreu no campo. Ela é forte, tem a valentia necessária para enfrentar qualquer dinâmica. É delicadamente confrontante. Bate massa e assenta os tijolos. Treina novos missionários, cozinha com carinho e sempre deixa tudo limpo e organizado. Ah, que doçura atrevida… Às vezes, escapa aos olhos, pelo canto dos óculos. A menina morreu, ali no campo.

Tristemente, venho percebendo o fato de que, cada vez mais, mulheres jovens têm enfrentado, sozinhas no campo, muito problemas: desgastes, enfermidades emocionais e físicas, que dia a dia precisam matar a menina, que um dia disse sim à sua vocação. Isso me faz crer que temos, diante de nós, uma missão. Certamente não é a de casar essas mulheres, mas é a de ser-lhes igreja. Não é a missão de lhes achar um marido, mas a de ensinar hombridade aos nossos meninos em nossas comunidades de fé.

Missionárias têm enfrentado depressões sozinhas em seus campos, sem visitas pastorais. Meninas têm assumido, em Deus, papeis de influência social, lutas que fazem gastar todo o líquido de seus ossos, mas precisam de cuidado, suporte e graça.

É fácil concluir que existe uma grande masculinização das mulheres no campo missionário, mas levará tempo e não será fácil mudar este cenário. Isso não é sobre elas não serem capazes, isso é sobre nós sermos incapazes. É sobre nós, como irmãos, adormecermos nossos corações, pernas e bolsos diante de suas necessidades.

Proseando sobre isto, ouvi pelo menos dois discursos: um, de que ela deve voltar para casa, se casar, ter filhos e ser uma boa cristã – “se não aguenta, melhor sair do campo!”; outra, diz que ela dá conta e ponto! E você, o que diz? Qual a sua missão em relação a isto? Me parece que é mais simples julgar incapaz ou impor jugo, do que permitir que a pergunta tenha vida: Sustento minhas irmãs (em amplos sentidos) no campo ou as mando de volta para casa? Qual a minha missão, em relação a elas?

Lembro-me do texto de Lucas 28.1-10, em que duas mulheres que serviam no ministério de Jesus estavam esperando no sepulcro, quando o anjo entrega a elas uma missão: de contar aos outros que Jesus tinha ressuscitado! A descrição que se segue, sobre a reação delas diante da missão ordenada, é linda: “As mulheres saíram depressa do sepulcro, amedrontadas e cheias de alegria, e foram correndo anunciá-Lo aos outros. De repente, Jesus as encontrou e disse: Salve!…”